A possibilidade de alternância no poder é um dos pilares da democracia e traz, sempre, efeitos na vida real da sociedade. A derrota de Jair Bolsonaro (PL) e a vitória de Lula (PT), lideranças praticamente opostas em visão de mundo e conceitos de gestão, torna ainda mais desafiadora essa adaptação. Para as demandas de Santa Catarina catalogadas na cartilha Voz Única, a volta de Lula ao poder muda diversas lógicas – inclusive as de cobrança. Haverá mais portas a bater.
No governo Bolsonaro houve uma redução substancial no número de ministérios. Na gestão que se encerrou no final de 2022, o protagonismo dos ex-ministros Paulo Guedes e Tarcísio de Freitas levou ao acúmulo de funções nas pastas que comandavam. Fruto do perfil de ambos e da confiança que o presidente depositava na condução de ambos. Assim, o Ministério da Fazenda, sob a batuta de Guedes, incorporou Planejamento e questões ligadas ao empresariado, tornando-se o Ministério da Economia. Na gestão de Tarcísio, o Ministério dos Transportes ganhou corpo e passou a ser o Ministério da Infraestrutura.
Com o novo governo de Lula, volta ao comando da máquina uma estilo de governar que prefere uma máquina mais compartimentada. Em termos de tamanho do Estado – número de servidores efetivos, cargos comissionados, estruturas na ponta – faz muito pouca diferença o número de ministérios. Há vantagens e desvantagens que devem ser analisadas pelos resultados. Aqui em Santa Catarina, por exemplo, a reforma do governador Jorginho Mello, do mesmo PL de Bolsonaro, segue a mesma linha adotada pela gestão petista de desmembrar o secretariado.
Sob Lula, a Economia volta a ser Fazenda, sob o comando do petista Fernando Haddad. Talvez até pela própria desconfiança dos mercados em relação a um político de carreira e de esquerda no comando da Fazenda, faz sentido o retorno das pastas de Planejamento e de Indústria e Comércio, destinadas para aliados – Simone Tebet (MDB) na primeira, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) na segunda. O recado que fica é óbvio, claro, mas importante de ser dito: Haddad não é Guedes, terá uma área de ação mais delimitada.
Para as questões referentes aos pleitos catarinenses – 60,2% deles ligados à Infraestrutura -, é importante observar as mudanças na antiga pasta de Tarcísio de Freitas, agora eleito governador de São Paulo. O ministério também volta à antiga denominação (dos Transportes) e terá um político no comando: o senador Renan Filho (MDB), ex-governador de Alagoas. A pasta perdeu a área de Portos e Aeroportos, que terá ministério próprio, também dado a um político aliado – o ex-governador paulista Márcio França (PSB).
A presença de políticos, embora experientes, deve ser o sinal de maior presença partidária em cargos federais relevantes nos Estados. A conferir posições como o comando estadual do DNIT, que toca as obras federais, e a possível indicação de um nome para autoridade portuária em Itajaí. França, logo na posse, disse ser veementemente contrário à privatização da autoridade portuária em Santos – tese que deve valer também no maior porto catarinense, que deve voltar às mãos do governo federal. Devemos ficar atentos à disputa entre PT, MDB e PSB pelos espaços federais em Santa Catarina – e estar vigilantes aos perfis dos escolhidos.
Voltando aos pleitos do Voz Única, ainda na metade de janeiro, Renan Filho apresentou um pacote ousado de obras para os primeiros 100 dias do governo Lula. O ministro prometeu gastar R$ 1,7 bilhão em conclusões de obras e em questões emergenciais. Para Santa Catarina, um começo tímido, mas um começo. O governo Bolsonaro também foi tímido no avanço das nossas necessidades de infraestrutura – como foram seus antecessores.
O pacote de Renan Filho prevê a conclusão do lote 1 da BR-470, entre Navegantes e Ilhota, para o qual faltam cerca de três quilômetros e que avançou graças ao investimento de recursos da arrecadação estadual durante o governo de Carlos Moisés (Republicanos). O pacote traz outras quatro rodovias vitais para Santa Catarina. As BRs 163 (no Extremo Oeste) e 282 (do Litoral ao Extremo Oeste) são citadas como rodovias que terão obras de alargamento e construção de terceiras faixas. Sobre monitoramento para emergências, especialmente em relação às chuvas, entram a BR-282 e também a BR-280 (no Norte) e BR-470. Também foi prometido que o ministério vai acompanhar de perto as obras do Contorno Viário da Grande Florianópolis, na BR-101, sob responsabilidade da concessionária Arteris e prevista para ser concluída em dezembro deste ano. Até agora, 65% das obras estão concluídas – o que acende um sinal elástico sobre mais este prazo (a primeira promessa era para conclusão em 2012).
Assim, os primeiros movimentos do governo Lula não permitem nem otimismo e nem pessimismo. Na política, é raro que políticos tenham uma segunda chance. O PT ganhou uma segunda chance de reconstruir a relação com o Estado em que sofre maior rejeição.